quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2010

Estou te deixando partir, tu vais me levando consigo... Ficas aqui, na nostalgia do passado.
Estou desatando meus olhos aos teus, trocando o horizonte, sobrevoando para além da tua face. Vais para o nuncamaisvoltar, deixando um resto de morte. Flores do mal, pisadas; folhas secas; a terra que usei para edificar lar.
Sim, perdoo. Te perdoo os desmaios, as dores (que não foram poucas nem clementes a mim. Que abusaram dessa resistência irresistível ao amargor da existência) e aquela taquicardia em luz solar. Quanto me fizestes cair... Mesmo assim perdoo.
Agora, perdoarás tu a mim? Poderei eu viver sem que tu me deixes sorrindo?
Preciso dessa paz para continuar, ao menos tentar continuar.
Da vez que eu te odiei, da vez que te amaldiçoei e aos teus beijos cuspi bile. Quando fui tão ingrato, trancado em minha ignorância de não perceber que quem ainda me atava à maravilha da vida era você. Por favor, deixei de cuidar das tuas chagas para acariciar as minhas, tratei-me como narciso trata o reflexo! Por favor, sinto-me tão indigno dos teus abraços, dos teus presentes... Agradeço, preciso agradecer (mesmo de olhos fechados e o rosto enterrado no chão). Houve riqueza e eu só via limbo.
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Agora, intimamente. Fil diz o que houve:

As conversas com a Mari nas madrugadas, quando eu queria simplesmente sumir, chorar até me inundar de dor, morrer ali. Cansado daquele mal no peito e principalmente com medo. Medo daqueles tantos anti-depressivos... Do meu corpo reagindo mal a eles, eu tentando sentir algo além de tristeza, desesperado por respirar. E a amizade perfeita alí arejando minha vida!
Houve Yasmin Calegari, um anjo gêmeo às dores e alegrias, à cultura e música. Um coração que está comigo até o fim do caminho - só para descansar de braços dados, no lar eterno.
E aquele apoio imenso? Samanta! Minha alegria de viver, sempre ali me fazendo crer que iria dar tudo certo, absolutamente tudo (e não é que deu?)... Quando eu queria chorar, gargalhava, e ao ver você gargalhando de mim, meu espírito gargalhava também! Edilene.Souza e, de forma geral, todo o meu 3ºP 2010, OBRIGADO.
O Higor também entra aqui. Até hoje não sei bem o que ocorreu entre a gente, mas ele disse coisas que nunca ninguém tinha dito para mim, não foi meu "príncipe encantado", mas de certa forma me despertou de 100 anos de sono profundo.
Houve o show do Epica e do Delain. Pode parecer fútil, inútil, mas a vida é mágica exatamente por isso. Valeu pai, valeu Ana, to devendo essa (R$180,00 pra ser exato uaheuhuaheuh).
Falando em Ana... Essa vem com toda uma bagagem de perfeição. Só confirmei que sou um ser muito sortudo. Eu amo meus amores!!
Doutor Pedro, meu paciente psicoterapeuta, haverá um texto só para você. Aguarde.
Bruna!! Bruna Lemes, muito obrigado por ter me arrastado no dia do meu aniversário para conhecer a CIDADE Universitária. De repente - mal do remédio, da doença ou seja lá do que for - decidi e estou rumo a USP. A culpa é sua!
Luis... Só uma coisa pra te dizer: a vida não valeu a pena, mesmo? Pois valeu um livro, toda uma história dedicada para você, anjo eterno.
Tidus, você sabe. Teu presente foi mais que saber o que é uma paixão. Foi saber o que é se apaixonar por quem já se amava (valeu (e como valeu haha), aqueles beijos). Te Amo *-* Família (a palavra já basta).
Nadja, Paulo, May, Dandan, Vanessinha, aquela segunda família! Ainda faleço de tanto rir com vocês.
E não me esqueço do dia em que, chorando num canto do quintal de casa, a Duda veio lamber minhas lágrimas e me convidar a brincar. És minha vida, dálmata perfeito!
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Estou te deixando partir. Voa longe, mostra que eu ressurgi. E para sempre te amarei, perfeito assim em tuas nuances, tuas estações.
Adeus... A Deus te entrego, 2010.

Magia, Paixão e Poesia - Decifra me enquanto te Devoro
Feliz 2011!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Fogos para mim!

Coca-Cola não tem o mesmo sabor de lirismo da taça de champagne a meia-noite.

Trinta e um de dezembro. Ava driblava a euforia, ofegante. Insistia em aprisionar a alma em movimentos controlados, fixando cada passo num alvo, objetivando a vida; tudo haveria de ter um fim justificável e se este não era óbvio, abominava-o; como quem segura o talento para a alegria numa pista de dança... Ava planejava até a adrenalina (tudo para ter controle).

Nada de bebidas, nada de fumos e êxtases. Seria vergonhoso acordar dia seguinte e ter parte da memória roubada pelo álcool ou qualquer essência alucinógena. A vida por si só já a levava até o indizível e ali, bem ali onde ela não tocava em grades de uma jaula, estava seu maior temor. A liberdade imposta.

-Hora de vestir-se como respeitável jovem otimista e curtir os fogos - com moderação! Moderação de freira.

Não deixava de ser nudismo aquele todo cuidado com a vida. Assim expunha tão à flor da pele e à luz do mundo sua casca sensível. Era como se virasse do avesso, e para si tornava aquela parte espinhosa - impiedosa que era para com seu próprio coração.

-Hora de dirigir-se até a residência dos amigos, fraternos inimigos.

Completo silêncio. Onde estará a comemoração? O Ano Novo sempre é trágico, Avinha... Todos estão do avesso, machucados por si, tentando fingir uma desilusão, desiludindo mais uma vez. É um ritual, uma aliança anual para com a falsidade própria.
E ficas assim, desapontada consigo. A hora marcada traz? A agenda assegura? O compromisso eterniza?

Que tal "não"??

O segredo nem sempre esconde, muitas das vezes ele protege. E a surpresa, essa sim vive.
Ava está conflitando em pleno fim de vida-2010.

-Hora de quê?
De beber teus beijos! Vem até mim.
- Quem és tu?
O escuro.

Ava está cansada da fadiga.
É hora de sentir o coração bater. Dançar no escuro.
Bye bye mundo exato de maleficências! (porque é a única exatidão que temos, que o mundo é mau)
Estou nascendo, e antes da meia noite, em 2010, livre!


Os Fogos são para mim!

domingo, 26 de dezembro de 2010

O Coração de Tudo

Tão obcecado por cicatrizes... Porque que o mundo não choca, não mais.
"Dá-me algo para sangrar."

Ele quer desvendar o tecido profundamente ferido desse mundo.
"Que 2012 chegue incontinenti e cético, metamórfico."

Tenta à putrefação. A alma em decomposição quer fazer essência.
"Meu máculo jaz ressurreto nas células-verme."

O príncipe injuriado não merece julgamento (o divino nem o enxerga).
"Deus me abandonei. Estou completamente anestesiado"


Que fará o pobre virtuoso com tamanho diadema de indiferença? Não há o que brilhe mais do que essa sua jóia maldita, carregada do que antes causava espasmos de vida - agora mobilizados e inutilizados.

Espasmos de morte? O salvariam? Achas mesmo? Esses congelaram no interior do magma cardíaco.

A cruz está vazia, garoto. A sepultura até ecoa os risos de Madalena, então mira-te no espelho e vejas que teu semblante já venceu a treva! O salvador vive! Em teus olhos...
"Minha irreligião só obedece os preceitos do Universo. Em mim vive a cegueira psicodélica da aurora boreal, essencialmente."

A Aurora Boreal revela: existe um enigma nas cores que o infinito escapa à Terra Noturna: um coração noturno não escapa às cores infinitas do enigma da terra. Não estás preso ao preto e branco. O lamento vem da vibração do teu espectro adormecido. Vibra, corre e subverte. Estás vivo, pequeno cometa humano.



"Eu viajarei além das fronteiras do buraco negro que consome minhas vontades, minha calda será o tributo às lágrimas falecidas no caminho. Que caminho? Até o Trono?"
Sim. Esse é o coração de tudo.

Magia, Paixão e Poesia - Decifra-me enquanto te Devoro

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Prelúdio do Amor Maior

A monotonia daqueles últimos instantes de aula já não flamejava impaciência no espírito dos dois estudantes: o garoto poeta e a menina fotógrafa (acima de tudo, os sonhadores).

Sentados na escada da quadra, debaixo da sombra gratuita da estrondosa árvore de estimação, eles apenas adivinhavam a beleza de uma amizade que seria – num futuro bem próximo e eterno – o alicerce e o sentido de duas vidas atadas a uma só essência. Em um ou outro momento trocavam olhares silenciosos; escondiam a sensação misteriosa de sentir que dali em diante um não viveria sem o outro; e, estupefatos, perceberam que o Sol pairava delicadamente no horizonte, abençoando aquele evento mágico.

Não poderia ser mais perfeito, embora de maneira singela.

Tão simples assim que com o passar dos anos essa imagem apagou-se da memória do poeta. Entretanto, a fotógrafa (que jamais perdeu um momento de delicado encantamento) tratou de fixar na mente o dia em que admirou com seu amado a luz do Sol e sob os raios de Deus sentiu encher-se o coração da verdadeira paz... A Paz de quem tem um coração amigo ao lado, por onde quer que vá, para sempre.

D’um dia assim, retocado na lembrança, a doçura que invadiu a menina verteu-se em nostalgia. E da alma do garoto, depois de rever em seu olhar a luz solar, verteu poesia.

Da saudade de ter sempre os abraços mais queridos, de afagar prantos dos mais sofridos e compartilhar a liberdade de venerar a estrela matutina em pleno ócio estudantil.

Refletindo a felicidade desapercebida, ele ousa desvendar o segredo:
Nos sabores da manhã, seja então no calor da tarde ou até mesmo na escuridão sacra da noite, estando juntos, estarão perfeitos. Amando, estarão juntos. Juntos amarão todos os instantes. Fotografados na história, pintados de poesia ou esquecidos na poeira das estrelas... É felicidade.

Amar assim tão intensamente e dependente é felicidade.

Porque o Sol os uniu naquela manhã de anos passados, na escada da quadra, entre a monotonia escolar, debaixo de sombra amiga; sonhando um com o outro clandestinamente.

(O que foi então aquele instante?).

Talvez prelúdio dessa paixão poética e platônica: os dois corações aquietados, juntos, admirando a grandiosidade de um simples alvorecer.

Magia, Paixão e Poesia - Decifra-me enquanto te Devoro

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Desirée (II)

[parte I - Decifra me enquanto te Devoro: Desirée (I)]

Um pouco a frente um casal todo vestido de preto ri freneticamente. Devem estar indo para o mesmo lugar que Desirée... Parecem alegres. Minto. Parecem felizes. Não estão sozinhos, uma menina os acompanha, o cabelo dela é longo e cacheado. Como Lilith. Como Desirée sonha ser Lilith. Isso é o mundo, pessoas felizes nunca são como você, a deusa nunca é como você, a perfeição do pecado não está em você. Apenas o pecado da perfeição.

“Quem estará lá esta noite?”

“Tanto faz, eu mesma não estarei. Já faz um tempo que não estou.”

O destino é chegado, os nervos congelam e vibram, mas não mais estalantes e impiedosos como essa noite de sábado. A garota sobrevive de visões de uma pré vertigem, ainda não alcançou o desmaio. Alcançará? Cantarolar um pouco ajuda a distrair a angústia. Ali estão seus amigos, em frente ao clube, ansiosos e ... Normais?

- Oi...

- Oi! Como você está linda! Amei a roupa e a maquiagem!

- Obrigada.

- Gente, olha só, essa aqui é a Desirée. Ela não é um arraso?!

- Desirée? Belo nome – reproduz a multidão.

“Você está bem, meu anjo? Ta com uma carinha tão murcha...”

- Estou bem.

- Mesmo?

“Como sempre, caiada em vestes de prostituta. Se há riso é porque há vinho, se há sonhos, é porque há absinto. Se sou unicamente eu, há essa beleza de castelo em ruínas. Estou bem, estou como poderia estar, caiada em vestes de anjo negro.”

Cabe aos estilhaços reproduzir imagem impecável? Não. Ela é algo mais que esses reflexos amorfos.

Entrar, pegar um drink, se acomodar em algum espaço e – impenetrável – fixar os olhos na escuridão interna. A música não a envolve, as luzes não machucam a frieza de sua pele; nem eu nem você conseguimos desviar a atenção do Desejo a si mesmo. O que se esconde nas vagas da dama mais cobiçada e inatingível da noite? Teríamos chance de arrebatar seu coração envenenado?

“Hoje não... Hoje não estou a fim de lançar-me as vagas de uns beijos e carícias estranhas. Se eu pudesse, se eu fosse corajosa, daria um basta no romance com a vida também...”

Ah, menina! O peito se contraiu e uma possível lágrima foi tragada. Não choraria ali, jamais. Tentaria curtir o som – só o som, porque as letras eram profanas, diziam as realidades da alma, tocavam na chaga de maneira demasiadamente envolvente.

Lá fora ventava, graças a Deus; Jack ainda não tinha entrado, ficara fumando um pouco. Pelo jeito de nada adiantava os puxões de orelha de Desirée, ele nunca pararia com aquela vida desregrada e deliciosa, assim como os conselhos dele para com ela a respeito de largar a cruz da melancolia jamais surtiram efeito (para sempre a existência penosa e apaixonante). Os dois não eram antídotos um do outro. E se amavam!


(continua)

Magia, Paixão e Poesia - Decifra me enquanto te Devoro

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Jogando conversa(dentro)

Por que me convocas? Irá nascer algo? Não vês que meus olhos ardem de sono?
Por que meu coração insiste em brincar de poesia quando o poeta já se entregou às trincheiras-cobertores?
Para que seja jogada conversa fora entre a caneta e o papel? Dá-me licença, também existo, também resisto!

Escrevamos sobre mim então. (sempre e novamente).

Amanhã sai o resultado da 1ª fase da Fuvest. Me engano, já saiu, hoje já é dia 20/12. Quando eu acordar do sono que dormirei, correrei a descobrir a que se deu aquela prova tão tão tão exaustiva.

(entre parênteses é mais seguro (não estou compondo um artigo ou refletindo sobre mim), tão-somente papeando com as pálpebras pestanejantes).

Confessei, estou à espera. Talvez para isso tu vieste a mim; não iria dormir tão logo, a ansiedade me recobre, preciso espairecer os nervos. O sono nunca me pesa o suficiente, indigno!

Toca "Te Amo" da Rihanna na rádio. Eu curto, é um tanto homosexy.
Hoje fui à igreja!

(isso está soando a diário querido diário)
Houve uma linda cantata.
Mamãe está melhor. Graças a Deus. Juro que nesses dias tive medo de perdê-la... Espero que ela permaneça bem: estou exausto de ver minha mãe tão mal. Estou exausto de angústia. Tenho medo...
Mas ela está melhor, linda.
Eu ainda temo. Perdê-la.
Deus cuida de nós na sombra das Suas asas.

Fui na igreja, dizia eu. Incrível - e agora só para que ascenda o meu orgulho/vaidade e ressuscite a tal da auto estima (existe?)...: empolgante o modo com as pessoas ressaltam como sou bonito. Lá.
Não quero admiradores santos-secretos, não quero par na igreja! De qualquer forma é bom receber tantos elogios à minha aparência física.

Isso me remonta a um comentário e situação que umas semanas atrás:
Vanderlei me disse: tenho um amigo que está louco para te conhecer.
Eu, ingenuamente (!)(exato!): me conhecer? Nossa, mas por que?
Ele: Por que? Ora, é óbvio, Fil - sorriu maliciosamente.
Introspectivo lamentei um sonho: Queria que as pessoas desejassem me conhecer pelo que escrevo e não unicamente para "beijar essa boca perfeita e comer essa bundinha gostosa".

=/
Bitch Detected??

Cansado disso. Não que dispense os gozos físicos, só estou me preocupando com a ausência dos espirituais.

Meu Deus é isso aqui. Meu Paraíso...
E como eu sei que esse fútil relato inútil às 01:35 do dia 20/12/2010 vai parar no meu blog, vê se comenta, leitor!! Dá sinal de vida. Porque por mais que haja o paraíso, nem Deus soube lidar bem com a solidão.

Beijos, Bocejos e (6) - Decifra logo que eu já estou devorando!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Campos do Paraíso

Houve um tempo em que as claridades acendiam para Joe.
Houve sim. Não conseguia relembrar as cores e o brilho, não tecia nenhum painel da doce infância; pesadelos de meninice, sonhos, amores... Não se recordava de nada, mas Tudo existiu.

Num único desejo.

Nostalgia de um único desejo.

Entretanto rondava-lhe um sentimento, aflorando das entranhas do passado: o ressoar das gotas de chuva tocando em sua carcassa de ferro, em suas palpebras quebradiças, escorrendo lágrimas como se fossem vindas dos campos do paraíso.
Joe queria ser menino.
Joe queria ser humano - não pela dádiva nossa de possuirmos coração.
Queria ser criança e poder sorrir ao caminho deixado para trás, só para dizer que valeu a pena ter crescido e se tornado monstro intransponível.

Amnésia.
O que fora aquela gota de vida?

Um único desejo,
Que volte a chover nos campos do paraíso.

A magia vinda da paixão
habitada em poesia
[...] dessa frágil canção:

Tirado do Baú

"Como podemos chegar tão longe?
Perdidos em estrelas cintilantes e amor recôndito
E então eu giro com minha lua, você.
Mas pertencemos a isto? Se esse é o lugar errado...
...porque amamos?

Somos estrelas, num novo cosmos
Viajando numa felicidade tão clandestina
E eles culpam a verdade
e eles descriminam a inocência da noite
Por quê? Se estamos no lugar errado
...porque amamos?

Você tocou a minha mão, e eu choro.
Nada pode ser esquecido, desse giro de sonhos
Sinta os sonhos morrendo
e eu choro por você, minha alma luna
E se estamos apaixonados? Você e eu
Se esse é o lugar errado... Porque amamos?

Como chegamos tão longe, camuflados pelo reflexo da lua!
Se é o lugar errado, amamos porque ainda há o sonho.
A sensação do medo, o Todo Meu Amor

No lugar errado
Com você, simples-perfeito."

(2006?2007?)

Magia, Paixão e Poesia - Decifra me enquanto te Devoro



quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Desirée (I)



Pó de arroz, lábios ultrajantes e os olhos imitando esfinges egípcias. Cópia barata de Cleópatra, pronta para se perder mais uma noite... Desirée disfarçava-se de si mesma e buscava sentir o vento gelado da noite, buscava sentir algo em sua noturna, maquiada e destruída imagem. Era hora de sair, havia combinado com os amigos. Claro que ela ainda os amava! Só não mais sentia o mínimo prazer em estar junto deles.

“Paizinho, vou sair com meu pessoal, me divertir um pouco, de manhã volto. Não me espere acordado. Beijos, te amo.”

“Pai, estou a me desfazer, deitarei meu corpo na sarjeta e entregarei minha virtude deste dia para qualquer um, mais uma vez. Te amo.”

“Meu pai, livra-me de mim mesma! Já não suporto ter uma existência tão vã, dói tanto essa solidão que sinto... Por favor, me abrace e diga que me ama!”

- Aonde você vai menina?
- Sair com uns amigos...
- Mas você não disse que estava indisposta hoje? Tudo frescura, não? E vai sair assim?
- Assim como?
- Vá logo, vá! Ta atrapalhando meu futebol.
- Até...

O caminho era o mesmo de sempre até o ponto de ônibus. Isso permitia que ela errasse em pensamentos, afinal o trajeto não exigia atenção alguma; ligava no automático e fingia ser alguma diva gótica venerada por legiões de fans, imitada por adolescentes depressivas e desejada por metaleiros loiros e de longos cabelos. Seria chocante para a mídia e para todos os seus admiradores, as noticias de seu suicídio. Como seriam as manchetes?

“Ah, Desirée...”

Não! Voava para outras terras, outros pensamentos... Será que conseguiria sentir algum tesão na vida? Mas já sentia. Era uma verdadeira orgia! Ora um carinho vertia em orgasmo, ora uma lufada a violava. Engraçado... E quando nem alegria nem tristeza a envolviam, um absoluto nada tomava sua alma, trazia certo repúdio ao bem e enjôo ao mal. Onde andaria o equilíbrio? Em seus próprios olhos? Certamente que não. A beleza da Lua poderia trazer certo êxtase para si e ainda sim tudo permanecia sem sentido.

“O que sou? Um crucifixo sem simbologia.”

A religião perdida. Ou Deus (as duas coisas não passam de sinônimos, não é?).

- A religião da vida é que me derruba na lama do pecado.
- O que disse? – perguntou o cobrador, confuso.
- Nada, não – correu a sentar no último banco no busão, vexada e aliviada de que naquela hora da noite quase não haviam pessoas nele.

“É como se a religião fosse uma redoma que aprisionasse a verdadeira verdade...”

“Verdadeira verdade...”

“É sério. Seria soberba demais achar que estou além da religião? Que sou o próprio Deus?”

“A futilidade é tão mais segura. Calarei a minha boca.”

Calarás o teu espírito? Jamais. O silêncio de sua mente dá lugar à exultação de seu coração. As luzes amareladas da cidade, carros luxuosos e miseráveis, jovens rindo jovens chorando tudo por dentro, prostitutas batendo o cartão para mais uma noite de trabalho, cães fiéis ao desamparo de seus donos mendigos. Isso é o mundo – palpita. Isso é o mundo.

(continua :)

Magia, Paixão e Poesia - Decifra enquanto te Devoro

(foto: Céline Derrien by Saverio Cardia, Pizza)