quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Desirée (II)

[parte I - Decifra me enquanto te Devoro: Desirée (I)]

Um pouco a frente um casal todo vestido de preto ri freneticamente. Devem estar indo para o mesmo lugar que Desirée... Parecem alegres. Minto. Parecem felizes. Não estão sozinhos, uma menina os acompanha, o cabelo dela é longo e cacheado. Como Lilith. Como Desirée sonha ser Lilith. Isso é o mundo, pessoas felizes nunca são como você, a deusa nunca é como você, a perfeição do pecado não está em você. Apenas o pecado da perfeição.

“Quem estará lá esta noite?”

“Tanto faz, eu mesma não estarei. Já faz um tempo que não estou.”

O destino é chegado, os nervos congelam e vibram, mas não mais estalantes e impiedosos como essa noite de sábado. A garota sobrevive de visões de uma pré vertigem, ainda não alcançou o desmaio. Alcançará? Cantarolar um pouco ajuda a distrair a angústia. Ali estão seus amigos, em frente ao clube, ansiosos e ... Normais?

- Oi...

- Oi! Como você está linda! Amei a roupa e a maquiagem!

- Obrigada.

- Gente, olha só, essa aqui é a Desirée. Ela não é um arraso?!

- Desirée? Belo nome – reproduz a multidão.

“Você está bem, meu anjo? Ta com uma carinha tão murcha...”

- Estou bem.

- Mesmo?

“Como sempre, caiada em vestes de prostituta. Se há riso é porque há vinho, se há sonhos, é porque há absinto. Se sou unicamente eu, há essa beleza de castelo em ruínas. Estou bem, estou como poderia estar, caiada em vestes de anjo negro.”

Cabe aos estilhaços reproduzir imagem impecável? Não. Ela é algo mais que esses reflexos amorfos.

Entrar, pegar um drink, se acomodar em algum espaço e – impenetrável – fixar os olhos na escuridão interna. A música não a envolve, as luzes não machucam a frieza de sua pele; nem eu nem você conseguimos desviar a atenção do Desejo a si mesmo. O que se esconde nas vagas da dama mais cobiçada e inatingível da noite? Teríamos chance de arrebatar seu coração envenenado?

“Hoje não... Hoje não estou a fim de lançar-me as vagas de uns beijos e carícias estranhas. Se eu pudesse, se eu fosse corajosa, daria um basta no romance com a vida também...”

Ah, menina! O peito se contraiu e uma possível lágrima foi tragada. Não choraria ali, jamais. Tentaria curtir o som – só o som, porque as letras eram profanas, diziam as realidades da alma, tocavam na chaga de maneira demasiadamente envolvente.

Lá fora ventava, graças a Deus; Jack ainda não tinha entrado, ficara fumando um pouco. Pelo jeito de nada adiantava os puxões de orelha de Desirée, ele nunca pararia com aquela vida desregrada e deliciosa, assim como os conselhos dele para com ela a respeito de largar a cruz da melancolia jamais surtiram efeito (para sempre a existência penosa e apaixonante). Os dois não eram antídotos um do outro. E se amavam!


(continua)

Magia, Paixão e Poesia - Decifra me enquanto te Devoro

Nenhum comentário:

Postar um comentário