quarta-feira, 28 de março de 2012

Em três atos

ATO DOIS

Pouco se pode ousar nesse inverno.

Se antes os estudos e a suma-meta desviavam minha atenção de um amor deixado milhas tropicais para trás, agora eu me deparo tarde da noite tentando recuperar tal sentimento, esse meu, que foi meu, o de amar um outro coração que não o meu – e querê-lo ao lado, fluindo conjuntamente até a velhice. É verdade, a glória que costumava esconder minha imensa vontade de levar a vida em estepes onde nada mais há além do vento e a pouca vida se foi. Fora de júbilo, eu pedi para ser sozinho, logo que pudesse. E minha tese científica era o álibi... Que se potencializou em arma de um crime passional. Porque hoje já nem sei o que desejo para o sempre.

A neve veste estampa de paz e ela me sufoca. Nos excessos vive a clausura.

Pupilas que quase invadem toda a visão. Eu mal me lembro o quanto eu parecia apaixonado e ele também nos dias frios e como éramos independentes no calor. Pouco de nossas imagens se reflectiam no olhar um do outro, era muita escuridão e uma hipnose insensata, entretanto chamávamos de amor e até era. Como um tipo de anulação e afirmação cíclicas. Em novembro ele viajava para o litoral e servia de muso aos garotos tropicais. Eu preferia as noites paulistanas, o anjo negro na pista de dança. Mas quando o tempo amenizava podíamos procurar um ao outro entre abraços suaves e superficiais e criar um romance pitoresco. Sinto falta... De qualquer romance.

Contos tradicionais infantis são muito macabros. Especialmente Branca de Neve, por isso tanto seduz e leva à necrofilia. Mortos, abracem-me?

Não, eu não sei mais se quero me afastar progressivamente. De tudo. Ou se prefiro voltar às merrecas romanescas, não sei. Sazonal. Talvez eu esteja no cúmulo do decadentismo, mas desisti de ser negligente aos cúmulos. Nessas novas vezes eu me entrego feito recém-nascido no choro e sigo em frente por entre as paredes gêmeas, de modo distraído o suficiente a não recordar o caminho de trás. Eu não quero voltar. E noto que também não quero chegar. Ando tão contraditório, querendo sair disso num apego imenso a isso. Talvez meu amor pela solidão fosse narcísico. Sazonal.

Apenas o frio me pertence, neve como nuvem gelada na minha porta. O céu desceu aos meus pés e me aprisionou.

Só mais uns meses e eu voltarei ao meu inferno caseiro, no hemisfério sul, mais próximo da inconveniência do Sol. Menos à mercê das inseguranças... Sou eu, olhos que viajam o mundo lá fora, quietos entre o vidro da janela e a ventania, inquietos entre o interior e a estaticidade eminente em cada móvel do quarto. Uns olhos vizinhos inalcançáveis... Talvez agora sim eu esteja em casa, por isso me perco tanto. E quem me procura?

Batem na porta e eu não posso abrir. Estou preso em minha neve privada.

domingo, 25 de março de 2012

heartstorm

Meus sentimentos poderiam ser mais definidos,
o Sol poderia retorcer-se mais ameno,
fuso horário poderia ser só um.
Ele poderia estar menos longe,
ou não tão dentro.

Eu poderia cansar um pouco menos de sei-la-o-que,
taquicardia poderia ser só a literária,
inspiração poderia existir,
verso doeria menos.
O silêncio poderia ser suficiente,
as estrelas mais simples,
a física e a poesia menos irmãs.

Vazio de despedida poderia ser menos cheio,
despedida poderia não ser tão diária,
meu nervosismo em manter...
... eu poderia ao menos saber
qual feitiço qual mistério...?

Qual
Remédio
Pra tanta
tanta loucura?

sábado, 3 de março de 2012

O Livro da Loucura e da Adoração

Índice remissivo antecipado
Um Trabalho talhado de tensões e insônias.

Jamais cri eu poder ser tão devoto, afinal escalas de sentimentos já evanescem com a sutileza de um tímido espectro de luz, o que dirá então de todo o prisma de cores da realidade invadindo a epiderme? De modo que qualquer fantasia apaixonada se apagaria.

E apagou.

Jamais cri eu pagar tributo mesmo após ver o quão vã é a Terra e tudo o que nela orbita.

Um léxico básico:
Paixão: certeza efêmera feita de efêmeros suspiros e efêmeros hormônios.

Eu que fui consagrado às incertezas permito-me assassinar o que é belo (e superficial) e elejo o amor. Ele é feio, tão palpável como palpáveis são as chagas abertas de Cristo.

E adoro.

Proêmio
Como apagou.

Naquela manhã um homem três palmos a baixo da miséria fora guiado à forca. Seus pés arrastavam-se sobre a aspereza do chão público, o de todos nós. Sua caminhada penitente era iluminada pelo raiar intruso e acusativo do sol, aquele mesmo astro mãe negado durante o tempo de cárcere. As suas mãos enlaçadas eram gêmeas caladas, aleijadas. Deixassem-nas livres e com elas ele voaria para a condenação dos céus.

Confuso, porém pouco surpreso notei que não era uma corda aquilo a envolver o pescoço rendido do homem, era uma serpente. Pálida e embriagada, abraçava aquela vida. Bicho desmembrado abraça com o seu todo e mata.

- Algo a dizer? – perguntou a voz áspera-encapuzada.

Acenando negativamente a cabeça, o homem prostrou os olhos na multidão me procurando. E eu corri longe daquele maldito olhar... O crime pertencia-me. Eu era o culpado! Mas me perdoou, eu sei. Ele perdoou a todos nós e morreu.

Minha paixão humilhada, rastejante e mártir morreu.

A culpa fica, a culpa sou eu.

I
Tensão.

Em cárcere ameno um poeta folheia antigas cantigas, retalhos de fascinação e engano. Fora longe – pródigo! – o tempo das virtuosas inspirações. Resta hoje o meditar a respeito da mentira e da verdade.

II
Insônia.

Sobreviver quando estás tão longe se torna uma promessa de vida. Mesmo que jamais tenha prometido algo assim.

III
Tributo e devoção – Incompletos.

Mil poemas iniciados e incompletos eu guardo na gaveta. Te darei meu labirinto verbal!

Talvez assim funcione porque eu esteja em pedaços e em pedaços esteja você também. Nossas rimas, nunca, nunca, nunca se encontram.

Mil versos livres sagrados...

Desarmônicos. Não é a música de um poema de Verlaine. Desnorteia, rabisca minha precisão, amassa meu esmero! Eu pego fogo, você me ascende!

IV
Paixão.

Dei tanto, tanto... Ao máximo dediquei o labor de te amar. Fiz ainda mais: eu fiz demais. E nada do que e edifiquei cabia à tua alma. Ás vezes penso que o que construí foi uma fortaleza e te privei do sol.

Fiz tudo, mas bicho desmembrado que sou, matei-te num abraço.


V
O belo e o feio (quase putrefato).

Trata-se da mentira e da verdade.

O poeta.

Abriu passagem pisoteando as folhas no chão, sufocando a vida. E caminhou até a porta de sua confinada habitação. Lá fora o mundo mantinha seu espetáculo circense orgânico, rodopiando entre as pernas da mãe Terra; sonâmbulo, ébrio feito boêmio idoso. Até as escuridões mais intensas das esquinas da noite ignoravam ser manto de sacrilégios e dançavam a dança de Salomé. Quanta infinita gente doendo insuportavelmente, debaixo de um cobertor ou sem ele, quanta decadente solidão e angústia no palco de hoje... E o que é poesia nisso?... Nada alem de dissimulação. O verso perfeito tem ritmo de mentira e negligência. A verdade cala, aponta e condena. (a si mesma).

Uma peregrinação: a paixão quase vive de tanto que sua morte persegue.

O belo e o feio (quase putrefato), parte 2.

Saudade. De te abraçar feito serpente.

VI
Palpável.

O sono quase mata. Quero e preciso dormir justamente. Mas é que escrever sobre você ilude que estás perto. E sinto um cheiro que deve ser o teu, uns calafrios que devem vir da tua pele tocando a minha, uma inquietação que é o teu olhar sobre mim, uma solidão imensa que deve ser a tua. Tudo é você. Meu coração e eu decidimos.

VII
As chagas de Cristo.

Ele tentou afastar o cálice, contudo a vontade do Pai prevaleceu. Nem toda adoração deve ser revelada. Pois então eu me calo e digo apenas coisas com dor carmesim – todo fluxo sanguíneo teu eu guardo junto ao meu (e passeia e filtra e dá vida. Sístole, diástole, sístole, diástole...).

Nem toda adoração deve ser revelada. Caso ocorra, triste e pesado fica o adorado em querer recompensar com milagres. Não faça milagres por mim, você não precisa me amar.

Eu mesmo não te amo, é outra coisa.

VIII
... E adoro

Teu cabelo... Feito o mar proibido da madrugada. Quão tempestuosas são as ondas que me ferem, me afogam e me fascinam. Este teu negro diadema desce a pele doce e morena, joga-se em movimentos livres inconstantes, dança teu cabelo e eu com ele quero me perder para sempre... Quero beijar tua cabeleira tão profunda, sentir seus fios inundando meu rosto, cegando meu mundo. Provar do sabor, inalar o perfume. Como manto do universo, como o infinito tua cabeleira me suprime, me encanta... Cascatas me conduzirão até tua tez centrada e acariciarei as sobrancelhas que adornam uns olhos tristonhos e cansados... Ah, eu beijarei teu olhar e meus lábios te darão o sono e descanso, meu rei e adorado.

Se te afliges um malogro, rente, ao teu peito, meus ouvidos ficarão e escutarei teu fluxo de vida pulsante... De novo meus lábios prometem tocar tua vida, e com um sopro afugentarei os maus espíritos. Vem, amado! E flui comigo, com meu ser todo entregue.

Nada penitenciarei a ti, pois minha devoção é espontânea. Teu lábio superior é como o horizonte de um lindo pôr do sol e o inferior tem gosto de mel e a frescura das flores. Algo ardente possui meu coração e é o pensamento dos teus dedos, esses leves e santos que correm sobre mim buscando sinfonia. Sinfonia mais pura é a da tua voz que me devaneia e hipnotiza.

Sou a sombra da tua sombra, o guerreiro que jamais deixará dardo algum atingir-te.

E se meu ser todo anda prostrado é porque sou mortal... E se meus olhos se erguem é porque buscam a glória dos teus. Como duas aves debutantes sobrevoando a praia num fim de tarde são teus braços e eu os anseio!

Pouco sou, acanhado eu sonho no dia em que tua vida envolverá a minha. Lá estarei a salvo...

À luz que persegue cada passo que caminhas envio orações, às pessoas que te tocam envio poesia, ao dia que te desperta e à noite que te refugia eu declamo música sacra. Meu culto permanece eterno, pois às estrelas todas eu conto e à elas peço que conte às suas amigas que eu te adoro. O Universo esconde o segredo.

Tu és meu segredo, supernova.

Eu te adoro.

Prólogo
Saudade