sábado, 9 de julho de 2011

Cinco Minutos


Nessa tinha cinco minutos e um discurso homérico a fazer. (Que para ela, nos últimos fôlegos, primeiro enganava ser platónico, por fim revelava ser mais um jogo de mentir para o vento. Tudo para nada). Uns milhares de passos dados, as horas corridas, um segundo e sem aplausos a cortina se fecharia - dádiva grega à dama troiana.

Nessa tinha cinco minutos e a Morte ao seu lado:

- Diga-me o teu sentido e eu te deixarei no mundo. Ou morra comigo, venha...

"Ah! Em que vida algo valeu a pena? Vamos, vamos, Morte. Dê uma trégua."

A trégua é valsa que leva para longe, para onde não se vê, não se sente; nem se lembra.

"Vamos, vamos, Nessa. O que te faz?... Pense... (Se pelo menos Ela parasse de me encarar com olhos de lispector!) Ah... Lembro-me de um dia abraçar aquele panda de pelúcia que eu tinha, abraçá-lo na varanda da casa dos meus avós. A tarde estava gelada e tediosa, havia cores desbotadas no céu. Lembro-me disso e apenas isso. É assim? No fim é isso?

Um calor só meu: amo um ser artificial.

A vida toda foi sempre assim, preferindo quem - inanimado - jamais pudesse negar os braços. E desse modo privava-me de ter... Ter o que? Lembro-me de amigos integralmente lindos, uns avós de compreensão singela e espírito elevado. A casa era repleta do que Deus fez, achou bom e bonito. Perdi-me na flor da idade ao permanecer virgem à boemia, mas logo desprendi o olhar recatado e entreguei-me a eu furia de ser jovem. Comi e bebi do néctar divino, escondida. Fui bacante e na ressaca pedi perdão. Sonhei zilhões no início, contentei em limitar os tais nos dedos, acabei por incluir os dos pés. E nem acabei! Não me acabei... O que então não tive por abraçar pelúcias? Reneguei algo sagrado? Era ali que estava o meu sentido de viver? Ah! Mal ensaiei o espectáculo e o tempo excita-se em levar-me.

A varanda não me pertencia; a tarde, se tentou me amar, desistiu e desceu a encosta.

Reconheço a densidade da verdade:
amigos morrem todas as tardes, descendo a encosta rumo ao que lhes interessa: eles mesmos. E as coisas de Deus? Ah... Deus... Fez o homem e caiu no erro de achar aquilo bom! De que me adiantou a timidez e, depois, matá-la? Há quem viva d'um modo e quem viva do outro. Tanto faz. E ainda sim se faz... Morte, perdoa a minha ignorância, mas não possuo a ciência do meu sentido... Se vivi, se soube viver, se perdi ou venci o mundo... Não permeia ideia alguma aqui em minha mente. Apenas sei: uma tarde eu abracei meu panda de pelúcia e senti que era frio, que era morno, que era quente. Sentei na escada abraçada a nada e nada vi. É o que sinto..."

- Então fica, que quando fores feliz na descoberta da Verdade, tu é quem pedirás minha presença. E em cinco minutos morrerás comigo.

Um comentário:

  1. É essa mistura filosófica com a essência do real que acontece na nossa vida, sem que muitas vezes a gente perceba. Além desse sentimento constante do nada, que se por um lado você retrata com tanta tranquilidade (Sentei na escada abraçada a nada e nada vi. É o que sinto...), me incomoda tanto, a ponto desse sentimento me irritar, mas como superá-lo sem que ele te domine por completo?
    Enfim, boa abordagem ;P

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