quinta-feira, 24 de março de 2011

Paixão, Pintura e Poesia IV

[...]

Desnuda de qualquer esperança em ser algo além do encantamento do passado, da entrega à arte (porque ser um ser incompleto a tragava cada vez mais), Annabelle se segurava na vida unicamente por aquele quadro; quando terminado se eternizaria junto a face de sua bela flor e despencaria até os braços de sua terna poesia. Então veio a chuva enfeitada de relâmpagos e bravios trovões. Já se ouvia ao longe o soar do fim dos tempos e uma decadente marcha funérea acompanhada de olhares penosos e distantes – talvez alguns perplexos – se vislumbravam na mente de Annabelle. A angústia era solene mas o alívio era macabro; os braços trêmulos tentavam não violar a última pincelada da sua obra prima.

A última chuva.

O anoitecer cobria seu apartamento iluminado por velas e lágrimas de adeus. Tudo completo, divino, fatal.

Até a estupidez humana retomar a cena.

Barulho.

Gritos silenciosos.

Gritos insanos.

Desespero. E o fim.

Um grupo de jovens sem sentido fazendo uma anarquia sem sentido.

Uma jovem sem sentido perdendo sua vida sem sentido.

E o fim da tempestade, a última dor.

A magia se findava, as águas do céu se findavam, a madrugada tornava solitária e Annabelle chorava confusa por aquele arrombamento em sua vida, tremendo de loucura porque o maior dos pecados aqueles seres inválidos haviam cometido: ébrio de insanidade, aquele momento consumiu qualquer estilhaço de luminescência que ainda tentava permanecer em Belle. Com a dor maior do mundo ela caiu sobre sua tela inacabada e imperfeita, pedindo perdão, desesperada por dessa vez não poder salvar sua musa. Um último beijo apaixonado depositou naqueles lábios salgados e com suas lágrimas inundou o olhar opaco de Clara. Jazia ali um sonho destruído, no chão de um apartamento revirado em bagunça sem sentido dentro de um mundo sem sentido.

O pranto que ali se desfez derramou toda uma vida e essência, tingindo a arte agora com o maior dos tesouros: ágape.

Assim, possuída por si mesma e por aquela outra parte pulsante, clara e poética, dormiu profundamente Annabelle.

A manhã veio fria de morte.

[quase no fim]

Magia Paixão e Poesia - Decifra me enquanto te Devoro

Um comentário:

  1. fez chover aqui dentro de uma forma totalmente inexplicável; de qualquer jeito, eu só admiro um texto pelo teor de identificação que eu prezo pelo mesmo, e devo dizer que a admiração por aqui deste teu post está em uns 200%, por aí;
    céus. isso aqui tá ficando cada vez melhor, hein.
    NÃO PARA NUNCA DE ESCREVER, serio.

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