segunda-feira, 7 de março de 2011

Paixão, Pintura e Poesia I

Annabelle acordava todos os dias ao despertar do Sol preguiçoso e ainda fresco, alimentando-se do cântico sagrado dos pássaros. Seus olhos semi cerrados denunciavam a pesada insônia que lhe possuía em noites sem chuva e ao redor deles formava uma camada quase que negra, transtornando aquela face quase que angelical e vertendo num visual vampírico e doentio... Os cabelos, ah, os cabelos! Cachos louros e vistosos se emaranhavam um nos outros formando uma aura dourada de precioso ouro.

Era dia, (mais um dia de trabalho).

Ela não merecia. Não que fosse preguiçosa – sim, era - ou que não gostasse de trabalhar. Era aquele trabalho; mais do que os outros, mais do que uma confirmação cada vez mais veemente: ou ela nascera para algo maior ou simplesmente nascera por engano. Que seja! Nenhuma de suas lamentações matutinas ou filosofias angustiadas a deixariam escapar da vida e de ser mais uma na rua, na fria manhã pálida de cada dia, abrindo a porta de sua sala de trabalho e executando as tarefas impostas.

Calça preta social, cacharrel preta, casaco, botas e luvas de couro; lápis delineador preto e um pingente prata – sua única vaidade do dia – em forma de coração divido ao meio. Na face posterior do coração um nome, uma paixão, uma saudade e luto. A caminho do seu destino diário o vento frio lhe batia no rosto branco e seco, penetrando em seus olhos castanhos mentindo lágrimas: é que ela aproveitava aquela brisa que faz umedecer o olhar para prantear as mágoas passadas, presentes e principalmente as futuras.

“Dinamismo”, diziam seus colegas, “puro dinamismo no seu trabalho, Belle!”. Tedioso dinamismo, nada animador, nada que a levantasse e a fizesse sorrir. Cada dia mais silenciosa, Annabelle suportava sua vida como ovelha de sacrifício, resignada e calma por fora – caindo aos pedaços lentamente por dentro. Trabalho monótono, sepulcro lar. Calada, olhar distante e com taquicardia porque mais uma vez parecia que a noite seria estéril e as águas abençoadas do Paraíso não se derramariam na Terra. Passado que se enraizava em torno daquele coração de vidro, esmagando e estilhaçando aos poucos o que de precioso se escondia naquela redoma: uma alma pela metade; um ser vagando com a vida roubada pela morte, puro desdém... Se for, se ficar, tudo tão indiferente... Porém, talvez se fosse, encontraria sua outra parte arrancada em plena luz do dia?

[continua]

Magia, Paixão e Poesia - Decifra me enquanto te Devoro

Um comentário:

  1. Muito bem escrito e bem do jeito que eu gosto de ler. Parabéns e obrigado pelos comentários no meu blog, abraços :D

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